segunda-feira, 10 de agosto de 2009

ETERNIDADE E SENTIDO

Nascimento da terra, de Emília Matos e Silva

Fizeste com os teus lábios um arco grande
no meu peito. As tuas mãos tornearam-no
com a tua boca a procurar o meu gesto
e este a perder-se na noite almofadada dos lençóis.
O mínimo sussurro era o vento que saía de nós
apanhados no grande bloco de cimento armado
ferindo-nos no mais louco enternecer
com os fluxos da luz a saírem do écran
mais sumido tapado pelas gotas de suor
que em cascatas de vida vinham correr
das testas mais suaves deste mundo.

Ah! não, como não se esplêndido era o fumo
seco a entrar pelos nossos olhos pelos
nossos poros pelo vítreo semi-cerrado do
nosso olhar? ! Eras tu e eu..... únicos
debaixo do mundo que adormecia com uma calma
estonteante com a facilidade de quem
não tem nada para dar nada para amar
nada para beliscar a curiosidade e o sentido
da uma e meia da manhã já quando a noite
parecia ser igual parecia ser idêntica
fria vazia despida de corpos e de amor.
Porém, lá estava a luz vermelha o cabo
do telefone a chamada fácil a gritar pela
noite fora a voz longa e cansada o travar
brusco do carro a caminhada em penumbra correria.
Era o abraço e a noite das mil noites sonhadas
há longos anos de muitos anos como se
a eternidade fosse a palavra mais próxima
a mais projectada igualdade nas duas mãos gémeas.

Grita meu amor, pois o sol entrou com o sono
e a luz veio com a madrugada do outro dia
desse dia em que as nuvens passaram por baixo
do castelo de sonhos que fizemos na noite de
todos os sentidos únicos selvagens e possíveis.
Diz que o fim nunca está próximo nem presente
que não está aqui nem ali em parte alguma
e que os nossos pés são passadas de cavalos brancos
a correrem loucamente na areia das infinitas praias
com as ondas a salpicarem-nos não de espuma
mas de vento esse vento batido entre o horizonte
o nosso olhar a nossa língua e os nossos gestos.

Ah! os nossos corpos como brilham!... Chamam-se
estrelas, sabes? Deixa que pegue a tua mão e a
traga aos meus lábios que a sinta e a veja
que a adormeça no meio dos meus cabelos e a solte
à procura de mim de ti da palavra que escrevemos.
Vem, Encamdala meu barro coberto do meu suor
sem nunca te esqueceres que fizeste com
os teus lábios um arco grande no meu peito!


José Manuel Capêlo, Fala do Homem Sozinho, Editora Danúbio, 1983

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