.
a minha tia-madrinha Isabel Capêlo Gonçalves
Sabes tia,
tudo o que contigo aprendi nessa infância aberta
entre a fugidia maravilha dos dias jovens e o anguloso destino
dos dias preparados por sábias mãos, o encontrei nessa terra albicastra
que me foi lugar de nascimento, sedução e lembrança.
Contigo vivi o cheiro do azeite das ladainhas a iluminarem santinhos
postados em nichos e pequenos altares, aqueles a quem expressavas a tua fé
romana, outrotanto pagã, entre deuses e demónios que te perseguiam e enlutavam
principalmente quando acendias ou incensavas cadinhos de intenções
naquelas noites em que a substância dos dias e o enredo dos homens
faziam oráculos todos esses que se comemoravam para lá de todas as datas.
Sabes tia,
também jamais esqueci que essa linha recta invisível, mas seguríssima
que enfileira Monsanto com Idanha-a-Velha passando por S. Pedro de Vir-a-Corça
por essa ermida escondida entre penhas e silêncios, feita de mistérios e segredos
se tornasse um dos lugares sagrados que as pedras guardam e a terra cala
ou se lembrasse como princípio e fim de um rito que se prolongou
até que os homens se apercebecem de que não é com o furor da guerra
nem com os enganos da paz, que tudo se esquece ou apaga
mas sim pelas frases que se murmuram e prolongam pelos dias
— de todos os dias, até aos dias das pedras e das estrelas —
em que as evidências se colocam e se decifram tão distintamente
como qualquer documento deixado em papel, madeira ou pedra.
Sabes tia,
o meu poder, aquele que baptizaste e sagraste com a tua mão
não foi tirado do vento nem dos olhos dos homens: veio do ciclo da terra
dessa mesma que me ungiu como equinócio e solstício
de verões e invernos que se prolongaram e juntaram, como as marés
— esse vaivém contínuo de movimentos de horas e dias.
De ti, tia, guardo o encantamento do segundo e do lugar
da tua mão e do teu riso, também dos teus gestos e memórias
para que saibas, já que não precisas de me lembrar, porque o descobri
que a soma da realidade da vida, desta terra que pisámos e guardámos
é a existência: a eterna lembrança feita, na visão da sombra e da luz.
José Manuel Capêlo,
tudo o que contigo aprendi nessa infância aberta
entre a fugidia maravilha dos dias jovens e o anguloso destino
dos dias preparados por sábias mãos, o encontrei nessa terra albicastra
que me foi lugar de nascimento, sedução e lembrança.
Contigo vivi o cheiro do azeite das ladainhas a iluminarem santinhos
postados em nichos e pequenos altares, aqueles a quem expressavas a tua fé
romana, outrotanto pagã, entre deuses e demónios que te perseguiam e enlutavam
principalmente quando acendias ou incensavas cadinhos de intenções
naquelas noites em que a substância dos dias e o enredo dos homens
faziam oráculos todos esses que se comemoravam para lá de todas as datas.
Sabes tia,
também jamais esqueci que essa linha recta invisível, mas seguríssima
que enfileira Monsanto com Idanha-a-Velha passando por S. Pedro de Vir-a-Corça
por essa ermida escondida entre penhas e silêncios, feita de mistérios e segredos
se tornasse um dos lugares sagrados que as pedras guardam e a terra cala
ou se lembrasse como princípio e fim de um rito que se prolongou
até que os homens se apercebecem de que não é com o furor da guerra
nem com os enganos da paz, que tudo se esquece ou apaga
mas sim pelas frases que se murmuram e prolongam pelos dias
— de todos os dias, até aos dias das pedras e das estrelas —
em que as evidências se colocam e se decifram tão distintamente
como qualquer documento deixado em papel, madeira ou pedra.
Sabes tia,
o meu poder, aquele que baptizaste e sagraste com a tua mão
não foi tirado do vento nem dos olhos dos homens: veio do ciclo da terra
dessa mesma que me ungiu como equinócio e solstício
de verões e invernos que se prolongaram e juntaram, como as marés
— esse vaivém contínuo de movimentos de horas e dias.
De ti, tia, guardo o encantamento do segundo e do lugar
da tua mão e do teu riso, também dos teus gestos e memórias
para que saibas, já que não precisas de me lembrar, porque o descobri
que a soma da realidade da vida, desta terra que pisámos e guardámos
é a existência: a eterna lembrança feita, na visão da sombra e da luz.
José Manuel Capêlo,
Lisboa, 24 de Outubro de 2002
Sem comentários:
Enviar um comentário