sábado, 2 de maio de 2009

cabeça de homem, de Fra Angelico

Amore mio, com o se te pudesse explicar, em breves palavras
toda a incoerência, toda esta sombra de princípios, que existe
na consciência dos homens, na mente da Igreja, nas falácias dos
conselheiros nas mãos das grandes fortunas de Itália,
nas mãos do mundo?!...
E eu aqui, aqui preso nas masmorras dum cardeal tirano
que empreendeu perseguir-me pelas estradas e cidades da Europa
e prender-me para seu gozo e prazer, como se fosse um assassino
- antes o fosse! – ter-me à sua disposição para que renegasse
a minha fé e a minha consciência, os bens mais preciosos de que
disponho
faço uso e sigo, para dar-me e aos que me escutam, - esta infinidade!-
consciente de que poderei nela errar, mas que sinto estar certo
quando a explico, a uso, a faço entender e reconhecer
nesse Deus – que me espera -, como unidade infinita
na conciliação dos contrários, como causa imanente do Mundo.

Amore mio, aqui te segredo a minha paixão, a minha última palavra
o sentido da vida e da eternidade, essa conjunção que me torna
presente
e conquistador do eterno, na mente dos homens, na consciência
dos povos
na imensidão do futuro, que sempre foi o que procurei
nesta minha vida, errante, brusca, dilecta, mas apaixonada:
por ti, por mim, por esse Deus – a Sua causa e Destino – omnipotente!

Guarda-me e segreda-me, como se te lembrasses dum velho
que te segredou as últimas palavras e os últimos pensamentos.
Guarda-me, como eu te levarei, no último grito, entre o fogo da
fogueira que me consumirá o corpo, o sangue, o cérebro
mas nunca as ideias que deixei e consegui fazer vingar.

Guarda-me e segreda-me… o teu louvor e a tua lágrima.
.
José Manuel Capêlo, no romance sobre Giordano Bruno « Heróico Fogo da Primavera » de Sabina Ricagni, Zéfiro, 2008

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