sexta-feira, 8 de maio de 2009

ESTA MANHÃ QUE NÃO CONSIGO



Alegoria com Vénus e o Tempo, de Giovanni Battista Tiepolo


para o José do Carmo Francisco

Era longa a noite do poema
tão longa como o sibilino eco vagueando
na cálice espuma duma onda vaga.

E eu perdi-me a olhar os dedos
a frágil brancura que sempre me confundiu
ao procurar no infinito
a ponta de todo este mistério

Lá estava a manhã com o resto das horas
o ponteiro pontual que me fere a cabeça
me encosta o sono ao acordar repentino
se enfeita de muitas, múltiplas alegrias
e regresso ao acto consentido e bento.

Só que eu não espero, não posso esperar
não posso aguardar que os dias se repitam
e consigo, me voltem a trazer o mesmo
na secura das lágrimas que não participei.

Estou farto e seco.
Comigo se alonga a noite que diviso
as estrelas penduradas e o rasto do cometa.

Fica só a longa noite do poema
tão longa como o sibilino eco vagueando
pela memória dos homens que ficaram...

José Manuel Capêlo, Fala do Homem Sozinho, Editora Danúbio, 1983

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