José,
deixa que a tua fraqueza encolha os ombros
que os dias se levantem azuis e acabem em chuva
que a tua alma parta sozinha e viaje sempre
que o teu grito seja o eco no próprio vazio.
Dentro de ti, lá bem no fundo, és tu...
Ninguém te conhece. Os olhos são cegos
as mãos imensas, o frio ímpio, o calor tórrido
e todos têm Pátria e todos têm gente
só o frio que o teu olhar sente
é mais quente
......................que todo o sol no mundo.
José,
vai, descobre por ti mesmo cada erva na planície
cada toca de coelho bravo, todo o ninho de ave
toda a fogueira a arder no finito distante
toda a chuva e todo o vento
todo o enigma do poema - que é o teu!
Quem te pode falar as palavras e os risos
o choro, as emoções, os arrependimentos, os gestos
as miragens, os quadros, o poema?
Todos estão fartos, e cansados, e tu, vives
no mundo que te ignora ou te condena
sem mesmo que ele-dele tenha pena
embandeirado em crena
............................um arco desfeiteado.
José,
escreve o teu poema e deixa que o mundo continue
porque nunca houve um quadro acabado
sem que uma mão o pintasse!
Não tenhas remorso desta vida, deste tempo curto
destas horas fartas de rugas, de mãos cheias de vício
onde o sol se põe - como em todos os lugares-
porque a promissora morte, a morte inesperada e decente
não é ingénua, nem solitária, nem consente
que toda a mente
......................a leve para longe de si.
José,
assim, nunca estarás só ou insatisfeito
nesta lenta
........... e triste
................. caminhada
.................... dos dias...
José Manuel Capêlo, corpo-terra, Trelivro, 1982
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