Boreas, de John William Waterhouse
pelas portas azuis que Nokin me abriu, enquanto a fala me chegava pelo outro lado da terra, pude olhar-te no interior dos teus olhos verdes, do teu rosto franco, do teu cabelo negro. as mãos caíam-te suspensas ao longo do corpo e na boca entreaberta havia o manto branco do teu sorriso, alinhado por entre o vale estendido do vermelho dos teus lábios. vieste-me acordar enquanto a manhã durava nos acordes sibilinos da cidade a despertar, com o gaguejar do bocejo nas gargantas de mil almas.
estendeste-me as mãos. acariciaste as minhas entre o delgado suave das tuas e o finíssimo risco amarelo, transparente e próximo veio erguer-se entre o meu sono e o teu acordar.
nada mais havia senão o eco a transportar-se ante o sol que se erguia nessa esplêndida visão que a manhã traz e o momento transporta. ficamos nós, apenas os dois suspensos ante o ruído que se levantava lá fora e o manifesto silêncio que se transportava no nosso quarto. ruídos paralelos duma noite que nos fora leviana. dormiras acordada no meu sono de intensa bebedeira de azul, que Nokin me abriu, enquanto bocejava e me estendia pelo outro lado da terra. tinha partido sem ti e quedara-me imenso no peso das paredes brancamente encobertas pelos quadros que se faziam de figuras suspensas, imensamente grandes enormemente móveis. agora que acordei, vieste-me buscar, transportando-me nessas tuas mãos de suavíssimo movimento.
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José Manuel Capêlo, Enche-se de Eco a Cidade, Átrio, 1989
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