Eu vejo as crianças
as louras e morenas crianças
correndo, tropeçando, caindo
amparadas por dois pés pequeninos
gesticulando dois braços finos
movendo a cabeça de longos cabelos.
Eu vejo as crianças
as louras e morenas crianças
apontando dedos minúsculos em riste
sorrindo um sorriso infantil
gritando palavras aldrabadas
mexendo em tudo, por nada.
Eu vejo-as
procurando o ar e o vento
o sopro e o mimo
a canção e o beijo
a vida que as habita, as leva
para um caminho que de novo
só tem a existência demasiado curta.
Eu vejo as crianças
as louras e morenas crianças
as peças mais belas desta natureza que cria
meus únicos sinos que me despertam pelas manhãs
pontuais, sem ferirem uma única vez
os nossos corpos de adultos e pais.
Vejo-as como ramos verdes
duma árvore quase carcomida
como folhas duma flor mal erecta
como flocos de água dum maremoto quase extinto
como fogachos dum fogo mal aceso
como bolhas de ar dum vento a ficar seco.
Estas
as minhas crianças
as minhas louras e morenas crianças
tornadas sopro, mimo, canção e beijo
lembrando-nos a vida e o tempo
- o tempo -
em que como elas
corríamos, tropeçávamos, caíamos
sorríamos, aldrabávamos, morávamos
na curta existência que então possuíamos.
José Manuel Capêlo, corpo-terra, Trelivro, 1982
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