segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Eterno Ocidental

pintura de Abel Manta

Nesta rua paralela em que habito
nesta rua de dois sentidos
— sem sentido nenhum —
quantas vezes ela me levou
ao jardim descendente onde repousa
o teu sorriso em forma de máscara?!

Quantas vezes por aí passei
— Raul de Carvalho ao lado
cansado e trôpego na sua artereosclerose esquisita —
sozinho ou com amigos de curta duração
refrescando o meu olhar no teu olhar
ou buscando a tua mão — que lá não está —
num cumprimento invisível e impossível?!

Deixaram-te verde, Cesário, verde
da cor da tua máscara em pedestal
da cor das fachadas que em branco se transformaram
da cor dos telhados que em vermelho se distinguiram
da cor das docas que em negro se mantiveram
carregadas de rio e barcos e Odes Triunfais
que de tanto serem Marítimas
revisitaram Lisboa de sinais, de lendas
de mistério, de Espírito Santo.

Por aqui me vou, no meu passeio, passeando-me contigo
enquanto Lisboa acorda e eu procuro tempo
para escrever um poema, para escrever o tempo.


José Manuel Capêlo, Antologia de Homenagem a Cesário Verde, 1991.

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