Jovem com caveira, de Paul Cezanne
Tinha oito anos!
a meu pai
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Uma flor, meu pai, nos anos da tua morte, jovem, sem sentido. Parece que te esqueço, não é? Mas não! Tu bem sabes... Há dentro de mim, o teu sorriso, a tua boca, a tua alma. Tudo em ponto pequeno. Mas perfeito! Ah! meu pai, como as pessoas se enganam a pensar que te esqueço. Como? Sim, como, se sou a tua parte?(Até eu que pareço tão distante de ti!...) Sabes como sou o contrário das minhas aparências.
Lembras-te, pai, a tua alegria quando nasci? O teu nervosismo? Foi numa noite de inverno puro. Na tua terra. Na nossa terra. Coberta de neve. No meio da cama que era a tua. Tua !!!
Decorridos três anos, no meio do meu silêncio de procura, perdi-te. Que haveria de fazer? Não podia procurar o teu rosto, nem as minhas desculpas, nem a minha infelicidade de menino órfão, o gesto que não sabia a África, o quente arrefecido do meu coração que nunca te pediu.
Ah! como nada fazia sentido. Eras tão jovem!...
E eu?
Não havia sentido. Nada podia mudar. A marcha fúnebre varreu a mata. Os tambores tocaram pela madrugada. Vieram homens de todos os lados. Traziam nas faces negras, lágrimas verdadeiras e filhos pelas mãos; e eu, no meio deles!...
Ah! como os homens não têm olhos...
Só
uma mulher de luto, chorava. Dois filhos órfãos. Como era feliz a mocidade de ambos que ninguém via. E para quê ver, se ninguém escutava? Uma mulher de luto com dois filhos órfãos. Sempre de luto. Sempre, perpétuamente, órfãos.
Um dia, bem mais tarde, perguntei por ti. Responderam-me que estavas onde estavam os santos. Fui à capela mais próxima e rezei como se fosses um santo. Eras tão novo para seres santo?!... Não eras pai? Ajoelhado no banco, no meio do ar refrescado de incenso, lambi o sal do meu suor refrescado de lágrimas. Elas escorreram quando dos meus oito anos. Era tão cedo, tão cedo para chorar!...
Vinhas numa pequena urna. Pequeno. Mais pequeno que os meus oito anos. Tão pequeno que mal cabias no meu choro quando te depositaram no ossário que te serviu de último resguardo. Sim, tinha oito anos. Oito plácidos e inocentes anos. De mão dada com tua mulher, sempre de luto, tendo do outro lado a tua filha, ainda mais pequena que eu, desci a avenida do grande cemitério até ver depositarem-te na pequena gruta, em relíquia - a única! que te poderiamos deixar.
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Nada havia a dizer entre nós, a não ser, o silêncio solene do acto. Havia a tua família mais chegada. E a outra mais afastada. Vinham rezar pelos teus ossos. A lembrança. Uma lembrança lavada em anos. Sentida, sem o mínimo de utilidade. Que poderia representar o teu corpo morto, depositado em ossário?Tinha oito anos!
Uma flor, meu pai, nessa manhã submersa de ecos e fantasmas que me apareciam. Foi a minha cavalgada de desespero. Uma corrida sem fim. Ainda hoje a vivo. Viverei... Há dentro de mim, o teu sorriso, a tua boca, a tua alma. O nosso reino será, sei-o, o infinito do nosso encontro!
José Manuel Capêlo, Odes Submersas, Átrio, 1995
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