chuva e noite no quadro efémero do dia, que é final e sono. mergulham as mentes no silêncio feito e a aragem que sopra, alivia a cidade do peso do ruído e da espiral das vozes. caminhantes sem destino são os passos, que se abrem nas ruas estreitas e largas. uns, com a verdade que os leva em frente. outros, com a brecha que o álcool derrama no sangue quente. cambaleiam, riem, perdem-se na visão toldada que os olhos recebem, distinguindo-se unicamente, porque tocam em si-mesmos pelas paredes dos prédios verdadeiros, nos andares trôpegos e cruzados, nos risos abertos, nas mãos pesadas e que julgam leves. são estes, os companheiros da noite que vemos distintos, secularmente enunciados nos estribilhos da história, nas páginas amarelentas dos grandes romances, nas figurações dos pesadelos miúdos. e quando cresce a noite, a chuva derrama-se ininterruptamente sobre os espaços descobertos que a sombra fecha.
José Manuel Capêlo, Enche-se de Eco a Cidade, Átrio, 1989
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