Pelas tardes em que o sol começa a afogar-se no mar, que vejo por entre o ruído rústico das casas, tenho a impressão de que levantar-me me custa. Sinto que as pessoas me apertam os ombros com as mãos como a quererem dizer-me: «estamos aqui!», únicos, na pele de todos os selvagens vivos, canetas esfomeadas, línguas sedentas, ruas imensas dum certo desespero. Mas quem não estará a mais serei eu, que (só) me passeio na luz e na sombra, sem o minímo de remorso ou qualquer peso nos ombros. Sem ter que dizer que o mundo falseia as palavras, porventura, os gestos, nos lábios das testemunhas falsas. Quem não é falso, sou eu, que amo todas as luzes e todas as sombras, todas as madrugadas e silêncios, como se não houvessem mais sóis a iluminarem as faces que se arredondam neste muro de paredes que nos celam. Sem que oiçam as nossas vozes.
José Manuel Capêlo, Rostos e Sombras, Sílex, 1986
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