O meu quarto é uma autêntica câmara funerária, excepto no branco que separa o tecto das paredes. Negras se lembrarão como lágrimas a caírem. Vêm de não sei donde e sinto-as como lágrimas em suor. Não são lágrimas de mulher - mas imaginarei como se o fossem! - que escorrem a meio do meu cigarro a incensar-me. Vêm como a vida, que é o apetite da mulher que se quer e, da outra que se rejeita pelo simples facto de nos parecer a mais. Nenhuma mulher é a mais. Procuro o meu cigarro e fumo-o devoradoramente, como se procurasse na noite, um livro para ler... depois do sono. Voou no meio do meu corpo a pedir forma. Olho-me no espelho a pedir imagem. Resguardo-me no silêncio a pedir fala; nas palavras a pedir qualquer silêncio; na forma a pedir segredo; na cama a pedir a paz de um sonho sem trevas; num relógio a pedir as horas que não chegam. Tudo o que quero me sai, mas nada chega, a não ser o silêncio da noite que me passa em habituação. Só que nunca morrerá o poeta nos versos com os seus (de)feitos.
José Manuel Capêlo, Rostos e Sombras, Sílex, 1986
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