Os teus olhos vieram com as sombras da tarde, por entre os reflexos de luz que o espaço da sala enchia. Aninhavas-te agora, no banco do carro. Ao lado, as árvores contemplavam e as luzes mortiças de alguns andares reflectiam-se no mar próximo.
Cingias ao longo da tua saia negro-e-branca, a blusa que apertava os contornos dos teus seios breves e fartos ou a romã da tua boca vermelha, esbatida na claridade branca dos teus dentes certos. Cerravas e abrias os lábios deixando que o teu corpo esplêndido me inundasse em vagas frágeis de abraços e sons, de imensíssimos nomes de outros tantos desejos, forças ou imagens que fazias dizer por entre o êxtase sereno e longo.
Vieras, como a madrugada que nos acordou em segredo e em fúria nos unio no suor que embaciava os vidros do carro, guardados que estávamos no lugar verdadeiro e certo. Entre as árvores de uma floresta encostada ao mar e perto dos sonhos que tornávamos próximos e nossos.
Depois, e longe de ti, só o som do teu nome se me segredava, enquanto conduzia em direcção à cidade grande, que me acolheria para lá do tabuleiro da ponte - esse enorme carrocel de sono - e das almas que não se movimentavam ainda.
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José Manuel Capêlo, A Voz dos Temporais, Átrio, 1991
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