quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

palavra inicial I

pintura de René Magritte

entra-me brusca a noite, lepidópetra e cheia, com os calores claros dos dias por se abrirem, quando do vulgo da silhueta se enfrentam carrascos de amanhãs com mãos soltas e gestos semi-cerrados, no confuso diálogo de bocas emaranhadas. não é preciso que as palavras se desprendam, e soltas varram os locais usuais, fáceis e abertos. com a noite, vem-me o sabor das ruas planas e das casa plenas, das bocas insaciáveis e dos amantes adormecidos numa cama de qualquer quarto, satisfeitos dos gestos móveis nos corpos habituais. ao sentir isto tudo, o que mais me satisfaz, é poder erguer o braço e atingir o plano, que é o objectivo que me entusiasma e aquece. é o de poder possuir várias mãos que se me dirigem e afastá-las com o simples gesto de um silêncio, consumido em franjas de outros lençóis. depois, tudo é simples e tão seguro !


José Manuel Capêlo, Enche-se de Eco a Cidade, Átrio, 1989

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