para o João Ferreira da Silva
garras do destino neste tremor de gestos. como posso ser eu, se sou todos os outros que habitam comigo? como posso ser eu, se sou todos os que comigo me imaginam? mas como posso ser tantos se sou apenas um? não me inventem nem me peçam para inventar, para mentir. para fingir, basto eu. sou astro, face, olhar, gesto, pronúncia, restauro, pernas cruzadas, voo de ave, mãos, dentes, parafuso a entrar pela multidão, rodopio incontrolável num corpo de criança amável e indecisa. fumo com os lábios que tenho e não pareço mais, porque não sou mais que a forma igual que os olhos distinguem. e por estar farto de ser sempre o que me vêem. é que me inclino onde vegetam as aves falsamente alheias, falsamente dispersas. bruscamente entro onde a cidade se enche de eco!
José Manuel Capêlo, Enche-se de Eco a Cidade, Átrio, 1989
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