segunda-feira, 28 de julho de 2008

Da louca paixão do beijo

escultura "Eros e Psiquê" de António Canova

Da cidade, vinha o vento e a chuva! A humidade
descia imensa e frágil na sua alegoria de vida.
Corriam muros paralelos aos nossos passos iguais
como se corressem serpentes de encontro ao lugar de encontro.

Na grande carta dos medos, as linhas eram descidas
nos muros paralelos, mas modificando as cores nos horizontes
distantes. Por isso, corriam os braços de encontro ao corpo
pedinte, ante a verdadeira lonjura dos olhos, em serena quietude

dos lábios. Daí cresceu o fogo. As narinas secaram
pela formidável ascensão do ar. Os cabelos brilharam
pela branda inércia do vento. As mãos cicatrizaram-se

na espessura suave do rosto. Da boca aberta de lábios, apenas
o murmúrio deslizava numa ténue cascata de encanto.
Atrás do segundo aceso, a saliva secava a firme função do beijo.

José Manuel Capêlo, A noite das Lendas, Aríon, 2000

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