domingo, 24 de agosto de 2008

No cume da Guardunha

pintura de Turner, Raby Castle
para o Paulo Loução

Viver é criar. Subir é ver.
Eu que não criei montanhas, nem aves, nem espaços
vejo-me criá-los ao erguer os braços no ponto mais alto da serra
na Senhora da Penha, em pleno maciço da Guardunha
como Godofredo, o conquistador do Templo, o fez
- quando a cidade sagrada lhe foi entregue
depois de acometida, tomada e saqueada -
brandidas as audácias e a loucura da posse.
Deixando o caminho mais largo, com os meus amigos, começo a subida
do morro firme e vário, como que escondido pela serra maior,
por entre caminhos antigos e pedras de leitura
que nos descobrem os vestígios dos passos, do arquitecto lúcido
que por ali andara há alguns séculos e escolhera aquela região
para deixar nome em rio, terras, ameias e memórias.
.
Sinto-me na terra, que é bela e estranha
- gerida por uma força que não se vê, mas sente -
a cada palmo de rocha trepada. Subo para ver
a íngreme escadaria de pedra, própria de deuses
com sinais deles, até ao cume.
Recuperado o fôlego perdido, preso à grande pedra em que me firmo
ergo os braços de punhos cerrados e grito como o vento:
- Sou o senhor do mundo!... O senhor do mundo!...

Lá em baixo, passam em movimento as viaturas rápidas
que levam o olhar à outra margem da terra
sem se aperceberem que o lugar do culto lhes é tão próximo.
No alto, em que conquistei a terra do mistério subindo a pedra
olho Castelo Novo a meus pés e Monsanto à distância
abraçando firme o arquitecto da paisagem
que me deixara ver, no sorriso, a idade do tempo!...
.
José Manuel Capêlo, Portugal Terra de Mistérios, Ésquilo, 2001

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