segunda-feira, 4 de maio de 2009

De ti, oh! amada


Vénus adormecida, de Giorgione


De ti, oh! amada,
do murmúrio sonoro da noite, recebi do teu corpo
a imensa paz do teu busto, o prazer determinado do teu olhar
o nervosismo mágico das tuas mãos sôfregas
as palavras dos outros, como ecos de erros aos nossos ouvidos.
Se não havia silêncio, havia, pelo menos
o som da minha luz nos teus olhos.
Nervoso, nervoso de mais, isso bastou a que ali não ficasse.
Despedi-me um tanto apressado
como quem não sabe o que fazer ou por onde começar
quando tudo se precipita ou antecipa à nossa frente.
Apeteceu-me pegar-te pelo braço
e arrancar-te do meio daquele espaço sem realidade
sem qualquer valor ou forma, sem sentido nenhum.
Faria algum entendimento estarmos ali, nós que ali não estávamos?
Porém, e na verdade, que direito me assistia, que direito tinha
se ouvi de-mim (ou no poema da tua voz!)
que a litania era estar sozinho
estar com a minha correria desenfreada e vaga!?...


José Manuel Capêlo, A Noite das Lendas, Aríon, 2000

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