sábado, 27 de dezembro de 2008

Nestas horas, horíssimas de estar

Num café, de Gustave Caillebotte


Nestas tristíssimas horas de Setembro
entre um riso calvo e uma parede por caiar
no meio de mesas e luzes alinhadas
ao lado duma fronteira e dum olhar
descubro faces crispadas
com vontade de gritar.

Nestas longuíssimas horas de nada
entre um café aguado e água por beber
no meio de tacos velhos e mãos de ontem
ao lado do tempo e de nada ver
há ecos que se repetem
sem nada terem que ser.

Nestas estranhíssimas horas de outro dia
entre uma lágrima e um risco sem sentido
no meio do meio do mundo
ao lado dum brinco em corpo tido
aparece-me do mais profundo
um vulto sem ter ouvido.

Nestas horas, horíssimas de estar
espero, sentado, quem chegar.

José Manuel Capêlo, corpo-terra, Trelivro, 1982

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