quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

amanhã saberei o segredo que há em-mim

pintura de Georgia O'Keeffe
para o Alberto Pimenta
meu amigo e Poeta do mundo


amanhã saberei o segredo que há em-mim

de resto, o sol, que despontou por cima das plantas do meu jardim suspenso deste andar de cinco pisos de altura, abriu-me o olhar enquanto espreguiçava as mãos, abria a boca, esticava o corpo e rodeava os pensamentos pelo som do eco.
era frio e vento nesse algures da distância que os dias trazem e as horas levam, com as mãos presas ao esticado do corpo, gabardina enrolada à volta de-mim, impotência de bolsos vazios, a fome a rondar os meus olhos cheios. e vêm as queixas de todos os que não se têm que queixar, das súplicas que fingiram alheamento, da lembrança dos que procuraram inventar desculpas e nos rasgos de intenção dos que raramente apareceram.

amanhã saberei o segredo que há em-mim

basta que espere com os ossos feitos pó ou que algum amigo sorria, me abrace e diga: Vem daí! saberei, então, que as mãos não escreveram em vão, que as ideias não morreram por si-mesmas, que a luz do fundo era tão igual como a luz do princípio. saberei olhar para mim e ler-me nos livros fabricados, nas palavras dos outros que me lembram e algo são.

amanhã saberei o segredo se me aguardar


José Manuel Capêlo, Enche-se de Eco a Cidade, Átrio, 1989

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