segunda-feira, 23 de março de 2009

Como se não bastasse

pintura de Amadeo Modigliani

Como se não bastasse
como se do vento sibilassem nuvens perpétuas
o clamor invadiu o lugar e dei por mim a segredar-te:

Os teus olhos eram azuis e bastavam-me, como o recanto ligeiro
em que abraço os teus ombros, o teu sorriso, a tua boca.
Inunda-me de ti, para que ofereça à terra o lugar perfeito
em que durmo o meu sono (ir)real. Deixa que te traga o silêncio
como me deixas o corpo, em contornos de mágico azul
e louco delírio. Corro-te as pernas com as mãos suadas
com a boca pronta, com o arco a pedir a flor do teu chamamento.
Breve, perfeito. Teu!... E é de ti, oh! amada - ermida do meu silêncio
oráculo do meu olhar, lugar do meu recolhimento, tempo da minha
espera - que ofereço em bênção, o calor do meu corpo
a forma (im)perfeita(?) que me espera e se te oferece.
Que me saibas guardar, como eu a ti, neste final do tempo
lugar da primavera em que crescem todas as estações.

Então, vendo que éramos dois
os deuses calaram e resguardaram-se no seu lugar.

José Manuel Capêlo, A Noite das Lendas, Aríon, 2000

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