sábado, 14 de março de 2009

O desejado

desenho de Hans Holbein the Younger

Nada é mais frágil do que o gesto tornado movimento e as ideias em forma de loucuras. Sempre pensei que nos oceanos como formas de grandes delírios, nos rostos dos homens olhando-os absortos, vagos, tementes, heróicos, em cima das falésias, infalivelmente irresistíveis perante o desconhecido que se encontra para lá do que é minimamente visível. Por isso, na sua loucura fácil - que é forma própria de temeridade - montaram corcéis de madeira e vaguearam-nos, cobrindo as cristas com apagados pedidos e cingidos corações. Entre o escorbuto e o tubarão, a distância era uma vaga mais forte, sinal de deuses escondidos e atentos, risonhos ou sérios, perante a odisseia dos protegidos. Nunca ninguém imaginaria que tal acontecesse e, muito menos, que tal conseguissem. O maior pecado, a maior honra, é o que o faziam com aquela cega fé de quem sabe que alguma coisa se encontrará para lá da distância, infinito horizonte que é curto e vário. O resto, na conquista da terra, é a imagem do encoberto a vacilar constantemente, nas mentes dos que ainda acreditam que o nevoeiro é o único meio de nos fazerem chegar o desejado do Quinto Império.

José Manuel Capêlo, Rostos e Sombras, Sílex, 1986

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