segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Tangencial

Os amantes, de Pablo Picasso
A meus pais

Oh! como a noite é mãe dos eternos vazios
alvéolos cheios de nós .....da nossa língua..... do nosso
desejo a confundir-se com as colunas erguidas
no largo enfrente em que adormecem mendigos
poetas ...pintores... compositores do ocaso e do medonho
flagelos da sociedade que não os atina ....suporta
como uma grande fechadura de chave única.
.
Que se rebentem os cadeados ....as portas senhores
que se rebentem as amarras do condicional
da estrutura que aflige e impede e desmoraliza.
Os grandes sopros vieram do pensamento.
Acabe-se.... rebente-se.... estoire-se com o raio da política
que é o arcanjo de fogo de céus fechados.

Amemo-nos com o que temos e somos.
Vem Encamdala..... vamos destruir todos os sonhos
dormir nos laços da noite .....nas camas de ferro
nos prédios de aço e cimento ....nas escadas de madeira
nos buracos das vigias ....nas anteparas dos falsos camarotes
e esqueçamos as vozes vindas do alto pedestal
rígido.... frio ....cómico ....vicioso ....vociferante
plagiante.... anómalo.... irritante ....beato.... sacrílego.

Que tudo se esqueça ....que tudo passe.... que tudo
contorne as tangentes do planeta e os ângulos
e os vícios e as paredes que nos quiseram impor
e o mal que está por detrás do bem
e o que está pela frente de nós-mesmos
e o que há e o que não existe
e o que poderá haver no verde.... no negro ....no vermelho
no espelho dos nossos olhos de mãos abertas
nas costas de todos os que caminham à nossa frente.

Amemo-nos Encamdala e gritemos que o
céu
somos nós!


José Manuel Capêlo, Fala do Homem Sozinho, Editora Danúbio, 1983

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