quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Um vento de vida

pintura Só de Emília Matos e Silva

Não meu, não meu é quanto escrevo.
Fernando Pessoa

para o António Cunha.

Sabes António,
a vida é um grande cavalo a galope.
Subimos para ele, tomamos-lhe a sela, acomodamo-nos
mas se não tivermos mão
a queda pode ser a última.

Vê António.
A vida é como o vento.
Vemo-lo soprar, escondemo-nos dele, mas lembramo-lo
porque é dele que vem a chuva e o sol
— essa imensa claridade que aparece antes e depois
de tudo o que nasce, habita e desaparece.

No entanto, António,
— e acredita porque to digo sentidamente! —
a vida e o vento são um duo que nos prende, nos liberta e nos magoa
como tudo o que se estende para lá de nós-mesmos
nós, os que fomos indivisíveis e únicos
os que soubemos existir e acabámos por saber
o outro lado da intempérie e do desassossego!

Acredita António,
e porque a vida é um dia e meio
— um dia para nascer e meio para morrer! —
hoje o dia é mais azul.
Tem mais vida e um outro vento.


José Manuel Capêlo
Inédito [2005]

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