segunda-feira, 1 de junho de 2009

HÁ CÉU AZUL NUM TRAÇO VERMELHO

pintura de Vincent Willem van Gogh
para a Maria Guinot



Há estradas que circundam o nosso sorriso
mares que circumnevegam os nossos beijos
montanhas que nos gritam como aves
pedras que rolam como mãos
o grande anfiteatro a parecer pequeno
e onde julgamos não caberem os nossos olhos

Só que a estrada é mais comprida que a nossa fala

As velhas persianas ... ao fecharem-se ... estalam
de secas ... gripam dos gonzos ... rodam nos eixos
com o barulho característico de quem se esforça

As mãos abertas buscam os contrafortes das vozes
as silhuetas das faces em ginástica apressada
mímica transfugada para as paredes do acaso
onde se escondem as sobrancelhas cerradas
dos palhaços tristes

Mas vêm as pancadas na madeira aberta

Molham-se os lábios com a saliva da Hora
o cabelo com o barulho do ar
a nossa alma com o nosso medo

Mas do céu azul há sempre um traço vermelho
a gritar o nosso desprezo ... a nossa fúria ... a nossa ânsia
os mares da nossa fé ... de inocentes martirizados
canetas de água-tinta ... a comporem epopeias
enfrente do rochedo enorme ... informe ... sedento

Mas é do meio das nossas mãos que brota o suor

José Manuel Capêlo, Fala do Homem Sozinho, Editora Danúbio, 1983

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