domingo, 4 de janeiro de 2009

Os teus olhos vieram com as sombras da tarde

Proserpina, de Dante Gabriel Rossetti

Os teus olhos vieram com as sombras da tarde, por entre os reflexos de luz que o espaço da sala enchia. Aninhavas-te agora, no banco do carro. Ao lado, as árvores contemplavam e as luzes mortiças de alguns andares reflectiam-se no mar próximo.
Cingias ao longo da tua saia negro-e-branca, a blusa que apertava os contornos dos teus seios breves e fartos ou a romã da tua boca vermelha, esbatida na claridade branca dos teus dentes certos. Cerravas e abrias os lábios deixando que o teu corpo esplêndido me inundasse em vagas frágeis de abraços e sons, de imensíssimos nomes de outros tantos desejos, forças ou imagens que fazias dizer por entre o êxtase sereno e longo.
Vieras, como a madrugada que nos acordou em segredo e em fúria nos unio no suor que embaciava os vidros do carro, guardados que estávamos no lugar verdadeiro e certo. Entre as árvores de uma floresta encostada ao mar e perto dos sonhos que tornávamos próximos e nossos.
Depois, e longe de ti, só o som do teu nome se me segredava, enquanto conduzia em direcção à cidade grande, que me acolheria para lá do tabuleiro da ponte - esse enorme carrocel de sono - e das almas que não se movimentavam ainda.
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José Manuel Capêlo, A Voz dos Temporais, Átrio, 1991

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